O câncer do colo de útero constitui importante problema de saúde pública em várias partes do mundo, especialmente África, Ásia e América Latina. No Brasil, são estimados para 2014, segundo números do Instituto Nacional de Câncer (INCA), cerca de 15.600 novos casos. Sabemos que estes números podem estar subestimados por problemas de falta de registro, desorganização da rede de atendimento, falta de diagnóstico, etc. Assim, sua incidência só é superada quanto às neoplasias que acometem as mulheres em nosso país pelo câncer de mama (57.000 novos casos) e pelos tumores de intestino e reto (17.500 novos casos). A maior parte das pacientes encontra-se na faixa entre 40 e 60 anos de idade, quando a doença as afetará numa etapa produtiva de suas vidas, tanto profissionalmente como em sua participação no convívio social e familiar.
De acordo ainda com dados do INCA, observando a incidência de tumores em mulheres por regiões do país, vemos que a neoplasia do colo de útero ocupa o 1º lugar na região Norte, o 2º lugar no Nordeste e Centro-Oeste, o 3º lugar no Sudeste e o 4º lugar no Sul. Das 130 matrículas novas abertas a cada mês no Serviço de Ginecologia do INCA, 60 a 70% apresentam este diagnóstico e, destas, pelo menos 50% já se apresentam em estágios avançados, tendo, por conseguinte, poucas chances de cura. Os tratamentos disponíveis para as etapas avançadas da doença são penosos e mobilizam recursos vultosos em equipamentos, recursos humanos, medicamentos etc., com resultados pobres.
Por suas características biológicas, o câncer do colo de útero permite, na maioria dos casos, a detecção das chamadas lesões precursoras decorrentes da infecção pelo HPV, que precedem, às vezes por uma ou duas décadas, as lesões cancerosas iniciais.
Os países que conseguiram montar sistemas eficazes de rastreamento e detecção precoce — tais como Canadá e Inglaterra — o fizeram não em prazos inferiores a 15 ou 20 anos. No Brasil, por múltiplas razões — econômicas, sociais, geográficas — ainda teremos um longo caminho até atingirmos esta eficiência.
A despeito disto, exatamente estes países (e muitos outros) já incorporaram, antes do nosso, a vacina para o HPV. E por quê? Ao longo das últimas duas décadas os estudos com esta vacina mostraram de modo muito convincente que ela é eficaz e bastante segura.
Países com estruturas reconhecidamente rigorosas na liberação de medicamentos, como é o caso da Austrália e da Nova Zelândia, por exemplo, assim como aqueles com tradição na avaliação do custo-benefício, como é o caso da Inglaterra, liberaram a sua utilização.
É sempre importante lembrar que qualquer intervenção médica apresenta seus riscos. Mas no caso específico da vacina do HPV — que utiliza o invólucro proteico do vírus e não seu material genético para estimular o sistema imunológico — eles são muito baixos.
Logicamente para um ciclo de doença que costuma ser muito longo — desde a infecção até a ocorrência do fenômeno neoplásico, passando pela fase das lesões precursoras — muitas questões estarão por ser elucidadas. No entanto, os estudos realizados até o momento em várias partes do mundo, mostram que: 1. a vacina é segura, 2. induz de modo eficaz a produção de defesas contra o HPV e 3. tem ação duradoura.
O HPV tem distribuição universal. Estima-se que, pelo menos 80% da população sexualmente ativa tem ou terá contato com o vírus. No entanto, somente uma minoria desenvolverá o processo de progressão para lesões precursoras e daí para neoplasia. Esta é a razão pela qual a faixa etária de ação máxima da vacina se situa nas meninas entre 11 e 13 anos, o que vem sendo aceito como a população eleita pelos sistemas públicos de saúde. É provável ainda que, mesmo tendo havido contato com o HPV, a vacina possa ainda melhorar as capacidades de defesa das mulheres eventualmente infectadas. Não há recomendação, em qualquer caso, de vacinação de mulheres acima de 26 anos, até porque os estudos não avaliaram pacientes acima desta idade.
Mas, se é assim, podemos abrir mão das demais recomendações de rastreamento e prevenção? Evidentemente que não. A prevenção de outras doenças sexualmente transmissíveis, tais como hepatite e HIV, impõem as recomendações referentes ao uso de preservativos e do exame citológico, conhecido como Papanicolau.
Estamos, portanto, iniciando a incorporação de uma nova e valiosíssima tecnologia que se junta às anteriores para o controle dos tumores do colo de útero. Os profissionais que, no mundo todo, tratam de neoplasias ginecológicas agradecem. E as gerações futuras também.
Dr. Celso Rotstein é oncologista ginecológico do Grupo COI.